Quando o autor coloca um ponto final no texto, uma nova história começa a ser contada.

É o momento em que a leitura vai além do ponto...

Inajá Martins de Almeida

domingo, 6 de julho de 2025

ALMAS GÊMEAS - releitura

canção de Fábio Júnior 

Por você, eu tenho feito e faço tudo o que puder

Pra que a vida seja mais alegre do que era antes
Tem algumas coisas que acontecem
Que é você quem tem que resolver
Acho graça quando, às vezes, louca
Você perde a pose e diz: Foi sem querer
Quantas vezes no seu canto em silêncio
Você busca o meu olhar
E me fala sem palavras que me ama
Tudo bem, tá tudo certo
De repente, você põe a mão por dentro
E arranca o mal pela raiz
Você sabe como me fazer feliz
Carne e unha, alma gêmea
Bate coração
As metades da laranja
Dois amantes, dois irmãos
Duas forças que se atraem
Sonho lindo de viver
Estou morrendo de vontade de você
Carne e unha, alma gêmea
Bate coração
As metades da laranja
Dois amantes, dois irmãos
Duas forças que se atraem
Sonho lindo de viver
Estou morrendo de vontade de você
Quantas vezes no seu canto em silêncio
Você busca o meu olhar
E me fala sem palavras que me ama
Tudo bem, tá tudo certo
Mas, de repente, você põe a mão por dentro
E arranca o mal pela raiz
Você sabe como me fazer feliz
Carne e unha, alma gêmea
Bate coração
As metades da laranja
Dois amantes, dois irmãos
Duas forças que se atraem
Sonho lindo de viver (de viver)
Tô morrendo de vontade de você
Carne e unha, alma gêmea
Bate coração
As metades da laranja
Dois amantes, dois irmãos
Duas forças que se atraem
Sonho lindo de viver
Tô morrendo de vontade de você
Bate coração
As metades da laranja
Dois amantes, dois irmãos
Duas forças que se atraem
Sonho lindo de viver
Tô morrendo de vontade de você
Carne e unha, alma gêmea
Bate coração
As metades da laranja
Dois amantes, dois irmãos...

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Desafio proposto entre os escritores da Casa dos Poetas de Ribeirão.
 Preto - ALMA GÊMEA

Diante deste desafio, passei a discorrer:

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Com o tempo, vamos pensando em nossas almas gêmeas: nossas metades da laranja, aquele sonho lindo de viver, possível quando, sem o perceber, nossa jornada esbarra com aquelas pessoas afins, que conseguem olhar através do nosso corpo físico e adentrar nossa alma.

Com o tempo passamos a entender o quanto almas gêmeas nos encontraram e nos fizeram viver, além de até dar-nos a vida; pais e todos os nossos antepassados.

Com o tempo, também, agregamos amigos, esbarramos em sentimentos, em convivências múltiplas e as afinidades vão se tornando metades que nos compõe.

E, com o tempo, entendemos que almas gêmeas são aqueles que nos despertam todos os dias e nos dão a dimensão do eterno em nós.

por Inajá Martins de Almeida


 

terça-feira, 1 de julho de 2025

PORTO SOLIDÃO


Navegando pela Solidão de Jessé

A música "Porto Solidão" interpretada por Jessé é uma verdadeira viagem pelas águas da introspecção e da melancolia. A letra utiliza metáforas:

·         Um veleiro para representar a jornada da vida e os sentimentos do eu lírico.

·         O ato de soprar o veleiro na palma da mão sugere um desejo de controle sobre o próprio destino, uma tentativa de guiar a vida em direção ao coração, ou seja, aos sentimentos mais verdadeiros e íntimos.

·         O coração é comparado ao mar, um lugar profundo que guarda segredos, versos perdidos e momentos que se foram com o tempo, como naufrágios que deixam vestígios no fundo da alma.

·         A repetição das palavras 'rimas', 'ventos' e 'velas' evoca a ideia de que a vida é feita de ciclos, de coisas que vêm e vão,

·         A solidão é o elemento constante que permanece, impactando o eu lírico de forma avassaladora, como as ondas que arremessam contra o cais. A solidão descrita na música é quase tangível,

·         O cais representa o ponto de encontro entre a imensidão dos sentimentos e a realidade concreta.

A música de Jessé, com sua melodia suave e ao mesmo tempo carregada de emoção, convida o ouvinte a refletir sobre a própria existência, as escolhas feitas e o peso da solidão que, por vezes, acompanha cada um de nós em nossa jornada pessoal.

fonte: https://www.letras.mus.br/jesse/46485/significado.html


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PORTO SOLIDÃO

Compositores: João Antonio Ginco / José Ramos Santos

 

Se um veleiro
Repousasse
Na palma da minha mão
Sopraria com sentimento
E deixaria seguir sempre
Rumo ao meu coração

Meu coração
A calma de um mar
Que guarda tamanhos segredos
Diversos naufragados
E sem tempo

Rimas de ventos e velas
Vida que vem e que vai      
A solidão que fica e entra
Me arremessando contra o cais


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AO SOM DE UM VELEIRO

 por Inajá Martins de Almeida


Quem dera controlar

O timão da existência.


Sentimentos,

Desejos do coração

Ao vento soltar.

 

Segredos ocultos

Que náufragos velejam:

Quem dera o mar

Pudera acalmar

 

Poeta fingidor

Versos sem rumo,

Solidão da rima

Se lança ao vento.


Horas fugazes,

Passageiras e incertas,

Repousam ao som de um veleiro

Que ruma ao vento

Enquanto rastros de sonhos

- Que se perderam ao velejar -

Transformam a existência

Na calmaria

 A qual somente o tempo

Pode alcançar.

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As notas tocadas ao piano, o silêncio, a lembrança de horas incertas, consigo trazem a inspiração para pequenos versos, a navegarem em águas mansas e claras.

Nem sempre pudera o veleiro ancorar num cais de calmaria. Nem sempre o coração pudera repousar num mar de águas mansas.

Segredos, que guarda o coração, aos poucos vão se perdendo pelo caminho da existência enquanto a solidão de náufragos momentos, se transforma em onda tranquila que ruma ao sabor do vento que suave sopra ao som da melodia que segue. 


quinta-feira, 6 de fevereiro de 2025

QUANDO A LEITURA NOS LEVA ALÉM DO PONTO

 Encontrei-me com Hideidi Torres, através do instagram, numa tarde de sexta-feira, 31 de janeiro de 2025 e, de lá para cá, suas mensagens me são cada dia mais abrangentes. Capturo ávida suas falas, suas orientações. Transcrevo em meu caderno de anotações e, neste agora, este veículo me será mais visível, ao mesmo tempo em que torno accessível à muitos.

Sua experiência, enquanto estudante de jornalismo, salta-me o entendimento, pois que tenho um texto - O ato de ler - que abordo algumas dessas passagens.

Ali ela fala do "lead", qual seja o resumo inicial de uma matéria jornalística, o qual consistia em responder as perguntas específicas: quem, o quê, quando, onde, e por quê? Assim, o leitor saberia exatamente o teor da notícia. 

Sua fala também se refere a Nelson Rodrigues e o texto "Coroa de Orquídeas".    Transcrevo:

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A Coroa de Orquídeas – Conto de Nelson Rodrigues

Quando a mulher entrou em agonia, ele caiu em crise. Ati­rou-se em cima da cama, aos soluços. Foi agarrado, arrastado. Debatia-se nos braços dos parentes e vizinhos; esperneava. E houve um momento em que, no seu desvario de quase viúvo, cravou os dentes numa das mãos próximas. A vítima uivou:

— Ui!

Então, na sala, cercado e contido, chorou alto, chorou for­te. Seu gemido grosso atravessava o espaço e era ouvido no fim da rua. Enquanto isso, o amigo mordido, na cozinha, exibia a mão: “Tirou um naco de carne!”. Alguém perguntou baixo, com admiração: “Mas os dentes dele não são postiços?”. Eram. E, em torno, houve um espanto profundo. Ninguém compreen­dia que um indivíduo que usava na boca uma chapa dupla pu­desse morder com tanta ferocidade e resultado. E, súbito, veio espavorido lá de dentro um irmão da moribunda. Pousou a mão no ombro do Juventino. Pigarreia e soluça:

— Morreu.

Várias pessoas espichavam o pescoço para ver as reações. Primeiro, Juventino levantou-se, esbugalhando os olhos. Depois que assimilou o fato, desprendeu-se de vários braços, num repelão. Dava socos no próprio peito e estrebuchava:

— Me deem um revólver! Quero meter uma bala na cabeça!

DOR AUTÊNTICA

Essa dor agressiva e autêntica arrepiava. E havia, dissemi­nado no ar, o medo de que o infeliz ferrasse os dentes em algu­ma mão ainda intacta. Durou o paroxismo de dez a quinze minutos. Por fim, a própria exaustão física serviu de sedativo. Ge­mia baixo. Mas, quando o sogro o convocou para ver a esposa, recuou como diante de uma blasfêmia. Num tremor de maleita, rilhando os dentes, soluçou:

— Não vou! Não quero!

Era a sua antiga e irredutível pusilanimidade diante da mor­te. Desde criança tinha medo de qualquer defunto, fosse conhe­cido ou desconhecido, parente próximo ou remoto. A idéia de ver a mulher morta o arrepiava. Defendia-se: “Não!”. E corri­giu: “Agora, não!”. Com o coração disparado, não pôde evitar a seguinte e quase irreverente reflexão: “Por que não pintam os cadáveres?”. Perguntaram:

— O enterro vai sair daqui?

Virou-se:

— Claro!

Um dos vizinhos, o mesmo que fora mordido na mão, va­cila e sugere:

— Não será mais negócio capelinha?

— Por quê?

E o outro, alvar:

— É mais prático. Mais cômodo.

Então, o viúvo exaltou-se. Enfiou o dedo na cara do vizinho:

— Considero um desaforo essa mania de capelinha! É uma falta de respeito! Ora veja!

SAUDADE

Um vizinho e um cunhado partiram, de táxi, para tratar do atestado de óbito e do enterro. Então, andando de um lado pa­ra o outro, numa excitação de possesso, Juventino surpreendeu e confundiu os presentes com uma série de confidências, legí­timas umas, extravagantes outras. Na sua euforia retrospectiva, deblaterava:

— Nunca houve marido tão feliz como eu! Duvido!

Elogiou a mulher de alto a baixo, chamou-a de “anjo dos anjos”, “flor das flores”. E, súbito, diante dos vizinhos atôni­tos e maravilhados, baixa a voz:

— Era tão séria que namorou um ano comigo, noivou dois e só topou beijo na boca depois do casamento! Quer dizer, mu­lher batata!

Havia um aspecto de sua vida conjugai que ainda o envai­decia: o recato da mulher. Sempre conservaria, perante o mari­do, um mínimo de cerimônia. Cutucou o vizinho e segredou: “Teve pudor de mim até o último momento!”. Pausa, arqueja e conclui:

— Nunca tomou injeção que não fosse no braço!

Parecia evidente que esse pudor frenético o deleitava, ain­da agora. Numa brusca cólera, desafiou os circunstantes:

— Isso é que era mulher no duro, cem por cento! O resto é conversa fiada!

CÂMARA-ARDENTE

As providências de ordem prática estavam sendo tomadas. Uma hora depois ou pouco mais, apareceram os funcionários da empresa funerária. Armara-se a câmara-ardente na sala de vi­sitas. Em dado momento, o viúvo teve de levantar-se para aten­der o telefone. Era o cunhado. Estava na casa de flores e deseja­va fazer uma consulta até certo ponto delicada. Perguntou:

— Tua coroa pode ser de orquídeas?

Admirou-se no telefone:

— Pode. Por que não?

Pigarreia o cunhado:

— Mas é puxado!

— Quanto?

O outro disse uma quantia. Juventino esbravejou:

— Ladrões!

Vacila. Lembra-se de que a doença da mulher já lhe custara uma fortuna; contraíra dívidas, tinha na farmácia uma conta estratosférica. Acabou optando por outra solução:

— Vamos fazer o seguinte; orquídea é uma flor besta, so­fisticada. Arranja uma coroa mais em conta.

Do outro lado da linha, veio a pergunta: “Qual é a dedica­tória?”. Hesita novamente. Decide-se:

— Põe assim: “À Ismênia, saudade eterna do teu Juventino”.

ÀS COROAS

Do telefone, veio para a sala. Até então, fiel à própria co­vardia, não fora espiar o rosto da mulher no caixão. E o pior é que seu medo estava mesclado de curiosidade. Costumava dizer, numa frase rebuscadíssima, que o verdadeiro rosto da mu­lher aparece só no amor ou na morte. Mas o diabo era o seu preconceito contra a morte. Acendendo um cigarro, pensava: “Os defuntos são muito feios!”. Por outro lado, ocorria-lhe que, com ou sem pusilanimidade, teria de beijar a esposa antes de sair o enterro. Na sua meditação de viúvo, cogitou de uma so­lução que lhe parecia praticável, qual seja: a de beijar sem ver, isto é, beijar fechando os olhos.

Mais uns quarenta minutos e começam a chegar as coroas. Uma das primeiras foi a sua. Correu, sôfrego; leu a legenda fú­nebre, em letras douradas. As orquídeas tinham sido substituí­das pelas dálias. E Juventino, recuando dois passos, considera­va o efeito. Não pôde furtar-se a um sentimento de satisfação. Disse de si para si: “Bacana!”. À medida que iam chegando mais flores, ele se convencia de que a sua coroa não fazia feio no meio das outras. Pelo contrário. Se não fosse a melhor, podia figurar entre as melhores.

SURPRESA

Às onze horas, a casa estava apinhada. Tinha vindo gente até de Vigário Geral. O inconsolável viúvo era abraçado por uma série de parentes, inclusive alguns que ele julgava mortos e en­terrados. Às onze e meia, Juventino passa por uma nova crise. E uma coisa o atribulava de maneira particular e dolorosíssima: a doença da mulher. Aos soluços, interpelava os presentes:

— Como é possível morrer de pneumonia? Se fosse cân­cer, vá lá. Mas pneumonia! — Virou-se para um vizinho; estre­bucha: — Sabe que eu estou desconfiado que penicilina é um conto-do-vigário?

Neste momento, todos os olhos se voltaram para a direção da porta. Acabava de entrar uma coroa. Era, porém, uma coisa realmente insólita e gigantesca. Dir-se-ia uma coroa de chefe de Estado, de rainha ou, no mínimo, de ministro. Toda feita de or­quídeas, ofuscou automaticamente as demais. Atônito, Juventi­no balbuciou: “Parei!”. Trôpego, a boca torcida e já distraído da própria dor, veio rompendo os grupos, no seu espanto e na sua curiosidade. E, com a mão trêmula, desenrolou a fita. Sole­trou, a meia voz, para si mesmo: “À inesquecível Ismênia, com todo o amor, de Otávio”.

Antes de mais nada, aquele “inesquecível” foi nele uma es­pécie de punhalada material. Ocorria-lhe uma reminiscência ci­nematográfica: Rebecca, a mulher inesquecível. Virou-se para os presentes, que pareciam também impressionadíssimos. Per­guntava de um para outro:

— Otávio? Quem é Otávio? Vocês conhecem algum Otávio?

Não, ninguém conhecia. Mas ele corria, um por um, todos os parentes: “Mas como é possível? Que negócio é esse?”.

DRAMA

A obsessão passou a dominá-lo: voltou para perto da co­roa e leu, releu a legenda. Apertava a cabeça entre as mãos: “To­do amor por quê?”. Concentrou-se. Procurava descobrir, no fun­do da memória, alguém que tivesse este nome, E uma coisa o enfurecia: aquela coroa espetacular, tão mais bonita e até mais cara que as outras. Fazia seus cálculos, em voz alta:

— O cara que mandou isto gastou os tubos. E por quê, meu Deus, por quê?

Houve um momento em que o próprio Juventino se jul­gou também um milionário, mas da loucura. Meteu-se num can­to; já não falava mais com ninguém, feroz e incomunicável. Qua­se ao amanhecer, alguém veio oferecer um cafezinho. Saltou: “Vai-te para o diabo que te carregue!”.

Passam-se os minutos, as horas. Todos os que chegam pas­mam para a fabulosa coroa. Finalmente, na hora de fechar o cai­xão, a própria sogra, soluçando, vem chamar o genro: “Você não vai beijar fulana?”. Ergueu-se. Antes, foi ao escritório apa­nhar não sei o quê. Atravessou por entre os parentes e vizinhos. Estava diante do caixão. E, súbito, mete a mão no bolso e… Só viram quando ergueu um punhal e o afundou na defunta, aos berros de:

— Cínica! Cínica!

A lâmina penetrou por entre as duas costelas. E a morta pa­recia rir.

fonte: https://contobrasileiro.com.br/a-coroa-de-orquideas-conto-de-nelson-rodrigues/

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