Quando o autor coloca um ponto final no texto, uma nova história começa a ser contada.

É o momento em que a leitura vai além do ponto...

Inajá Martins de Almeida

quinta-feira, 6 de fevereiro de 2025

QUANDO A LEITURA NOS LEVA ALÉM DO PONTO

 Encontrei-me com Hideidi Torres, através do instagram, numa tarde de sexta-feira, 31 de janeiro de 2025 e, de lá para cá, suas mensagens me são cada dia mais abrangentes. Capturo ávida suas falas, suas orientações. Transcrevo em meu caderno de anotações e, neste agora, este veículo me será mais visível, ao mesmo tempo em que torno accessível à muitos.

Sua experiência, enquanto estudante de jornalismo, salta-me o entendimento, pois que tenho um texto - O ato de ler - que abordo algumas dessas passagens.

Ali ela fala do "lead", qual seja o resumo inicial de uma matéria jornalística, o qual consistia em responder as perguntas específicas: quem, o quê, quando, onde, e por quê? Assim, o leitor saberia exatamente o teor da notícia. 

Sua fala também se refere a Nelson Rodrigues e o texto "Coroa de Orquídeas".    Transcrevo:

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A Coroa de Orquídeas – Conto de Nelson Rodrigues

Quando a mulher entrou em agonia, ele caiu em crise. Ati­rou-se em cima da cama, aos soluços. Foi agarrado, arrastado. Debatia-se nos braços dos parentes e vizinhos; esperneava. E houve um momento em que, no seu desvario de quase viúvo, cravou os dentes numa das mãos próximas. A vítima uivou:

— Ui!

Então, na sala, cercado e contido, chorou alto, chorou for­te. Seu gemido grosso atravessava o espaço e era ouvido no fim da rua. Enquanto isso, o amigo mordido, na cozinha, exibia a mão: “Tirou um naco de carne!”. Alguém perguntou baixo, com admiração: “Mas os dentes dele não são postiços?”. Eram. E, em torno, houve um espanto profundo. Ninguém compreen­dia que um indivíduo que usava na boca uma chapa dupla pu­desse morder com tanta ferocidade e resultado. E, súbito, veio espavorido lá de dentro um irmão da moribunda. Pousou a mão no ombro do Juventino. Pigarreia e soluça:

— Morreu.

Várias pessoas espichavam o pescoço para ver as reações. Primeiro, Juventino levantou-se, esbugalhando os olhos. Depois que assimilou o fato, desprendeu-se de vários braços, num repelão. Dava socos no próprio peito e estrebuchava:

— Me deem um revólver! Quero meter uma bala na cabeça!

DOR AUTÊNTICA

Essa dor agressiva e autêntica arrepiava. E havia, dissemi­nado no ar, o medo de que o infeliz ferrasse os dentes em algu­ma mão ainda intacta. Durou o paroxismo de dez a quinze minutos. Por fim, a própria exaustão física serviu de sedativo. Ge­mia baixo. Mas, quando o sogro o convocou para ver a esposa, recuou como diante de uma blasfêmia. Num tremor de maleita, rilhando os dentes, soluçou:

— Não vou! Não quero!

Era a sua antiga e irredutível pusilanimidade diante da mor­te. Desde criança tinha medo de qualquer defunto, fosse conhe­cido ou desconhecido, parente próximo ou remoto. A idéia de ver a mulher morta o arrepiava. Defendia-se: “Não!”. E corri­giu: “Agora, não!”. Com o coração disparado, não pôde evitar a seguinte e quase irreverente reflexão: “Por que não pintam os cadáveres?”. Perguntaram:

— O enterro vai sair daqui?

Virou-se:

— Claro!

Um dos vizinhos, o mesmo que fora mordido na mão, va­cila e sugere:

— Não será mais negócio capelinha?

— Por quê?

E o outro, alvar:

— É mais prático. Mais cômodo.

Então, o viúvo exaltou-se. Enfiou o dedo na cara do vizinho:

— Considero um desaforo essa mania de capelinha! É uma falta de respeito! Ora veja!

SAUDADE

Um vizinho e um cunhado partiram, de táxi, para tratar do atestado de óbito e do enterro. Então, andando de um lado pa­ra o outro, numa excitação de possesso, Juventino surpreendeu e confundiu os presentes com uma série de confidências, legí­timas umas, extravagantes outras. Na sua euforia retrospectiva, deblaterava:

— Nunca houve marido tão feliz como eu! Duvido!

Elogiou a mulher de alto a baixo, chamou-a de “anjo dos anjos”, “flor das flores”. E, súbito, diante dos vizinhos atôni­tos e maravilhados, baixa a voz:

— Era tão séria que namorou um ano comigo, noivou dois e só topou beijo na boca depois do casamento! Quer dizer, mu­lher batata!

Havia um aspecto de sua vida conjugai que ainda o envai­decia: o recato da mulher. Sempre conservaria, perante o mari­do, um mínimo de cerimônia. Cutucou o vizinho e segredou: “Teve pudor de mim até o último momento!”. Pausa, arqueja e conclui:

— Nunca tomou injeção que não fosse no braço!

Parecia evidente que esse pudor frenético o deleitava, ain­da agora. Numa brusca cólera, desafiou os circunstantes:

— Isso é que era mulher no duro, cem por cento! O resto é conversa fiada!

CÂMARA-ARDENTE

As providências de ordem prática estavam sendo tomadas. Uma hora depois ou pouco mais, apareceram os funcionários da empresa funerária. Armara-se a câmara-ardente na sala de vi­sitas. Em dado momento, o viúvo teve de levantar-se para aten­der o telefone. Era o cunhado. Estava na casa de flores e deseja­va fazer uma consulta até certo ponto delicada. Perguntou:

— Tua coroa pode ser de orquídeas?

Admirou-se no telefone:

— Pode. Por que não?

Pigarreia o cunhado:

— Mas é puxado!

— Quanto?

O outro disse uma quantia. Juventino esbravejou:

— Ladrões!

Vacila. Lembra-se de que a doença da mulher já lhe custara uma fortuna; contraíra dívidas, tinha na farmácia uma conta estratosférica. Acabou optando por outra solução:

— Vamos fazer o seguinte; orquídea é uma flor besta, so­fisticada. Arranja uma coroa mais em conta.

Do outro lado da linha, veio a pergunta: “Qual é a dedica­tória?”. Hesita novamente. Decide-se:

— Põe assim: “À Ismênia, saudade eterna do teu Juventino”.

ÀS COROAS

Do telefone, veio para a sala. Até então, fiel à própria co­vardia, não fora espiar o rosto da mulher no caixão. E o pior é que seu medo estava mesclado de curiosidade. Costumava dizer, numa frase rebuscadíssima, que o verdadeiro rosto da mu­lher aparece só no amor ou na morte. Mas o diabo era o seu preconceito contra a morte. Acendendo um cigarro, pensava: “Os defuntos são muito feios!”. Por outro lado, ocorria-lhe que, com ou sem pusilanimidade, teria de beijar a esposa antes de sair o enterro. Na sua meditação de viúvo, cogitou de uma so­lução que lhe parecia praticável, qual seja: a de beijar sem ver, isto é, beijar fechando os olhos.

Mais uns quarenta minutos e começam a chegar as coroas. Uma das primeiras foi a sua. Correu, sôfrego; leu a legenda fú­nebre, em letras douradas. As orquídeas tinham sido substituí­das pelas dálias. E Juventino, recuando dois passos, considera­va o efeito. Não pôde furtar-se a um sentimento de satisfação. Disse de si para si: “Bacana!”. À medida que iam chegando mais flores, ele se convencia de que a sua coroa não fazia feio no meio das outras. Pelo contrário. Se não fosse a melhor, podia figurar entre as melhores.

SURPRESA

Às onze horas, a casa estava apinhada. Tinha vindo gente até de Vigário Geral. O inconsolável viúvo era abraçado por uma série de parentes, inclusive alguns que ele julgava mortos e en­terrados. Às onze e meia, Juventino passa por uma nova crise. E uma coisa o atribulava de maneira particular e dolorosíssima: a doença da mulher. Aos soluços, interpelava os presentes:

— Como é possível morrer de pneumonia? Se fosse cân­cer, vá lá. Mas pneumonia! — Virou-se para um vizinho; estre­bucha: — Sabe que eu estou desconfiado que penicilina é um conto-do-vigário?

Neste momento, todos os olhos se voltaram para a direção da porta. Acabava de entrar uma coroa. Era, porém, uma coisa realmente insólita e gigantesca. Dir-se-ia uma coroa de chefe de Estado, de rainha ou, no mínimo, de ministro. Toda feita de or­quídeas, ofuscou automaticamente as demais. Atônito, Juventi­no balbuciou: “Parei!”. Trôpego, a boca torcida e já distraído da própria dor, veio rompendo os grupos, no seu espanto e na sua curiosidade. E, com a mão trêmula, desenrolou a fita. Sole­trou, a meia voz, para si mesmo: “À inesquecível Ismênia, com todo o amor, de Otávio”.

Antes de mais nada, aquele “inesquecível” foi nele uma es­pécie de punhalada material. Ocorria-lhe uma reminiscência ci­nematográfica: Rebecca, a mulher inesquecível. Virou-se para os presentes, que pareciam também impressionadíssimos. Per­guntava de um para outro:

— Otávio? Quem é Otávio? Vocês conhecem algum Otávio?

Não, ninguém conhecia. Mas ele corria, um por um, todos os parentes: “Mas como é possível? Que negócio é esse?”.

DRAMA

A obsessão passou a dominá-lo: voltou para perto da co­roa e leu, releu a legenda. Apertava a cabeça entre as mãos: “To­do amor por quê?”. Concentrou-se. Procurava descobrir, no fun­do da memória, alguém que tivesse este nome, E uma coisa o enfurecia: aquela coroa espetacular, tão mais bonita e até mais cara que as outras. Fazia seus cálculos, em voz alta:

— O cara que mandou isto gastou os tubos. E por quê, meu Deus, por quê?

Houve um momento em que o próprio Juventino se jul­gou também um milionário, mas da loucura. Meteu-se num can­to; já não falava mais com ninguém, feroz e incomunicável. Qua­se ao amanhecer, alguém veio oferecer um cafezinho. Saltou: “Vai-te para o diabo que te carregue!”.

Passam-se os minutos, as horas. Todos os que chegam pas­mam para a fabulosa coroa. Finalmente, na hora de fechar o cai­xão, a própria sogra, soluçando, vem chamar o genro: “Você não vai beijar fulana?”. Ergueu-se. Antes, foi ao escritório apa­nhar não sei o quê. Atravessou por entre os parentes e vizinhos. Estava diante do caixão. E, súbito, mete a mão no bolso e… Só viram quando ergueu um punhal e o afundou na defunta, aos berros de:

— Cínica! Cínica!

A lâmina penetrou por entre as duas costelas. E a morta pa­recia rir.

fonte: https://contobrasileiro.com.br/a-coroa-de-orquideas-conto-de-nelson-rodrigues/

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quarta-feira, 25 de setembro de 2024

O SEGREDO DA LIVRARIA DE PARIS - Lily Graham

 "Os jovens não pensam nos velhos desse jeito. Não veem as cicatrizes deixadas pelo tempo, os sofrimentos, as alegrias. Veem apenas o rosto inexpressivo da velhice". (pág 7)

"A velha senhora do trem não arecia ser o tipo de pessoa que carregava um segredo sombrio ardendo no fundo do peito. Um segredo daqueles que se contorcem em volta do coração, apertando, pronto para explodir. Mas ela carregava . (pág.7)


Assim, Lily Graham inicia sua fala em "O Segredo da Livraria de Paris", presente da amiga secreta Jacqueline, Natal 2021, o qual promete muitos encontros e desencontros, quem sabe...

A mala pesada de memórias emolduradas - "quanto mais velha a pessoa fica, mais pesadas elas ficam..." - fotografias.

"Gosto de manter as pessoas que amei por perto, onde quer que eu vá... o lar, onde quer que a gente vá, é ... lindo" (p.8/9)

Passo a perceber fotos, as quais, muitas não as tenho mais, entretanto, claras em minha mente. Talvez até mais seguras, pois que não ocupam espaços externos.

A velhice, o avançar dos anos, tem me proporcionado novo aprendizado. Parece até que autores e livros me chegam como inspiração,como se a conhecerem meus anseios, meus avessos, minha busca pelo encontro do meu passado e presente, com vistas ao futuro, quando então passo a esboçar minha auto biografia, ainda que fragmentada pelo tempo de distância, lembranças e, muitas vezes até desnecessárias para o papel, julgo.

O livro, não o distancio. As páginas não avançam. Cada retorno trazem-me subsídios do passado, de um olhar penetrante que me acompanhou vida toda. Um sorriso enigmático. Um quê não decifrável. Uma fala que implorava pela continuidade daquele momento singular. Um cartão acompanhado de uma suplica:

_ Senhora me ligue, por favor.

Então... Que segredos esconderia aquele que, furtivamente descia pelas escadas e se voltava àquela jovem, repleta de sonhos que permanecia inerte ante a expectativa de tornar a se encontrar com aquele homem, quem sabe até, pudesse trazer alegria e conforto, o qual não encontrava num casamento marcado pelo equívoco dos anos de namoro.

O silêncio pairou no ar. O salão, repleto de convidados, a maioria estranho, tanto no idioma, quanto na cultura, abriu leque para a jovem senhora entender que aquele ambiente não seria suficiente para proporcionar a realização de que, há muito ansiava - trabalho, estudo, família, filhos, um casamente repleto de harmonia, amor, convivência, compartilhamento.

Não! Não via naquele homem, sorriso ímpar, cabelos negros, inteligente, atributos que muitas mulheres almejam, o qual dissera sim no altar, o qual julgara compartilhar de uma vida a dois até os momentos derradeiras, não mais conseguia enxergar naquele homem a continuidade da promessa. A taça, quebrara-se. A tristeza adentrara o coração. A jovem se entristecia, se distanciava, agoniava-se ante os passeios que não escolhia, os amigos que não pertencia ao seu universo. 

Entretanto, agora, o que teria acontecido naquele salão? Seriam as melodias, os arpejos sonoros das guitarras e harpa. As canções inflamadas. Os ritmos latinos. Seria então possível que, apenas um olhar, um sorriso, uma fala contagiante, pudessem permanecer e ocupar, durante semanas,  os espaços vazios daquela jovem que sonhava, que olhava o cartão, sentia-lhe o cheiro de perfume de homem maduro, repleto de enigmas, interrogações?

Seria, pois a proposta do livro que adentrava meu imaginário e me conduzia àquela velha senhora do trem, a confrontar meu passado, repleto de interrogações, reticências, cenas inacabadas, falas truncadas?

Por que, então, passo a me questionar, não retornei, quando ainda era possível o confronto entre o que se escondia por ente as ausências daquele homem que lhe afastara do seu conto de fadas? Por que não lhe atribui parcela da culpa e dor que carreguei por longos anos, quiçá ainda carregue? Por que me calei por décadas? Por que não busquei por respostas, quando ainda as poderia encontrar? Por que tantas lágrimas me sobrevieram quando do encontro do processo, via internet, a notícia de sua morte. Estava ali consumado qualquer prerrogativa de encontro,de confronto, de retorno ao passado.

Agora, me vem a leitura, me aparece a velha senhora do trem e me traz à tona situações não vividas. E as linhas me requerem, como se consigo trouxessem a lenitivo para continuar os anos derradeiros sob uma ótica em que o final possa ser determinado de acordo com a visão de que o "foram felizes para sempre" possa, ou pudesse, ser possível.

O livro. Não consigo me desvencilhar das primeiras páginas, enquanto minhas memórias permanecem lúcidas, tranquilas; quando o retorno me é possível e me faz entender que as mágoas, ficaram naquele vazio, pelo adeus que não fora possível.

Afinal, o que teria mudado se decorridas décadas, o caminho da volta pudesse ser empreendido? Haveria tempo de recomeçar de onde se tinha parado? Outra interrogação sem resposta.

Por que tudo retorna agora por meio dessa linhas, onde os apontamentos me encaminham à minha própria história, um enredo que, por todos esses anos estivera sepultado, entre os escombros de uma construção que se iniciara, mas que vendavais turbulentos puderam destruir alicerces que, de frágeis, não suportaram as intempéries que se levantaram durante anos turbulentos de convivência, ainda que o filho, desse encontro fortuito, repleto de imagens, projetos e sonhos de uma jovem que sonhava, ante aquele cartão, pudesse conduzir a trama de maneira a mais harmoniosa possível? Por que, ainda continuo a indagar...   

Afinal! É possível fugir para os livros, depois que mergulharmos nos braços de uma homem, sem colete salva vidas? Ademais, adentrar nosso próprio universo, em busca de nossos personagens, criar falas, possibilidades outras para o conteúdo. Dar-lhe início, meio ao mesmo tempo em que proporcionar-lhe fim distinto? Desenrolar a trama do passado, de acordo com nossa ótima presente?


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Eis que algumas falas as trago para estas linhas, quiçá, ainda escreva algo mais...


"No brilho daquela beleza, todos os horrores do passado roam iluminados sem piedade. Toda chateação engolida, todo revide reprimido, todo gesto de rejeição. Marianne lamentava tudo aquilo, e esse lamento profundo fez com que se arrependesse de suas covardias". Pág. 47 - grifada)

"Aprenda a amar o que você faz, não importa o quê, assim não terá nenhum problema. Você vai sofrer,mas então vai sentir, e, quando sentir, então estará vivendo. As dificuldades são necessárias para viver; sem elas, você morre.!" (pág. 52 - grifada)

"Todas as lágrimas que uma mulher chora durante a vida - de paixão, saudade, felicidade, emoção, fúria, amor e dor - todos os fiordes de águas agitadas, eram aliviadas pelo olhar dos amigos". - (pág.65 - grifada)

"Ali havia um silêncio vivo... Era o silêncio entre as palavras que emocionava... Não sei que preço  vale pagar pelo amor. Ou o que os homens pensam sobre ele. Sobre ele e sobre a capacidade de lidar com conflitos". (pág.73 grifos)

"Às vezes o amor tem suas facetas estranhas. O amor. Esse sentimento que aumenta de tamanho diante da morte... (pág. 89 grifos)

"Vamos ver que mulher você está escondendo. E quando a encontrarmos, não vamos brigar com ela, querendo saber onde estava esse tempo todo". (pág. 122 - grifo)

"Agir de forma implacável talvez seja necessário quando se começa a tomar as rédeas da própria vida... (pág. 123 - grifos)

"Roupas podiam mudar um mulher? Não. Mas podiam fazer com que ela se redescobrisse... feminilidade". pág. 124

"Apenas a pedra e os quadros eram imortais...

Nunca havia sentido tanta fome de vida: seu coração ameaçava explodir de angústia por ter perdido tantas coisas... está história está longe de terminar! A cada segundo você tem a chence de recomeçar. Abra os olhos e veja:o mundo está aí, e ele te quer". págs. 132/133 - grifos)

"Um silêncio de expectativas... pág. 140 - grifo

"Dizem que se reconhece o caráter verdadeiro de uma mulher pela música. Há quem leia as notas como uma imagem. Analítica e fria. Outras emprestam a cada tom um sentimento. E algumas são cruéis, porque seu único amor é a música. Só à música entregam a verdade e a paixão, a dominação e o controle. Ninguém mais se aproxima delas tanto quanto a música, quanto o instrumento que usam como dono de seus amor... pág. 143 - grifo   

"Uma pessoa pode desperdiçar metada da vida olhando apenas para o homem que praticamente só lhe causou a dor" - pág. 177 - grifo   

"Acho isso uma estupidez - mas só recentemente - antes você também era estúpida e nem percebia. Tudo era mais sagrado que você, e seus desejos eram os mais profanos... As pessoas não mudam nunca!Nós nos esquecemos de nós mesmas. E, quando nos redescobrimos, pensamos que mudamos. Mas isso não é verdade. Não se podem mudar os sonhos, apenas matá-los. E alguns de nós somos assassinos muito bem sucedidos. Eu ainda estou procurando os restos do meu sonho"... pág. 178 - grifo

"Quando se é jovem e não se sabe nada do amor e do mundo, é natural pensar de forma estúpida e agir de forma estúpida." - pág. 181 - grifo

"Quantos desvios, atalhos e mudanças definitivas de rota uma mulher pode tomar até encontrar seu caminho - e tudo porque ela se adapta cedo demais, cai cedo demais na corda bamba do código moral, defende-se de velhos tarados e de suas criadas - as mães que querem apenas o melhor para as filhas. E então perde um tempo enorme se refreando para  se ajustar às convenções! e depois sobra muito pouco tempo para corrigir o destino... Marianne de repente teve medo de perder a coragem para continuar buscando o seu caminho. E ainda assim, a vida da mulher determinada não é um mar de rosas. É um grito, uma batalha, é uma preparação diária contra a acomodação. Eu tive de me acomodar. Viver como menos perigo, não ousar, não fracassar". pág. 196/197 - grifo 

... "ela chorou pelo homem perdido e pela mulher que ela fora e que se perdera... como aquela mulher protegia com rigor seu amor, sem permitir que ele voltasse a ter asas!" pág. 203 - grifo

"Não se pode dizer ao amor: venha e fique para sempre. Só podemos cumprimentá-lo quando ele vem, como o verão, como o outono, e, quando o tempo termina e ele se vai, ele se vai... como a vida. Ela vem e, quando chega a hora, se vai. Como a felicidade. Tudo tem seu tempo." pág. 219 - grifo 

"Não sei porque nós, mulheres, acreditamos que abdicar de nossos desejos nos tornará pessoas mais dignas do amor dos homens. O que temos na cabeça? Quem abdica de seus desejos merece mais amor do que aquelas que perseguem seus sonhos?

Era exatamente isso o que eu pensava. Quanto mais eu sofria, mais feliz ficava. Quanto mais desistia, mais forte ficava minha esperança de que Lothar me daria aquilo de que eu precisava. Eu pensava que, se não quisesse nada, não fizesse nenhuma acusação, não exigisse meu próprio quarto, meu próprio dinheiro, não provocasse nenhuma briga, um milagre aconteceria. Que ele diria: Ah! 

Quantas coisas você abandonou! Como meu amor cresceu por você ter se sacrificado por mim".

Que louca eu fui. Estava tão orgulhosa de mim mesma e da minha capacidade de sofrer; queria ser perfeita nisso. Quanto maior minha aceitação resignada, maior seria o amor de um dia. E a maior renúncia, a renúncia à minha vida, me garantiria o amor imortal do meu marido.

A pessoa deve ganhar o amor com sofrimento?... Quando começou a chorar, chorou pelo amor que não sentia mais por Lothar; e também pelo amor do qual ela mesma havia se privado". pág. 239/240  - grifo

"Felicidade é quando amamos o que precisamos e quando precisamos do que amamos. E conseguimos". pág. 251 - grifo

" O amor das mulheres suspende todas as fronteiras, ultrapassa a morte e o tempo". pág. 253 - grifo


Entrevista Nina George

Sem o trabalho, qualquer talento é apenas um anseio difuso e uma força não utilizada... talento se transformou em capacidade, o meu serrar de toras se transformou em arte de esculpir palavras


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terça-feira, 24 de setembro de 2024

9 ATITUDES DAS PESSOAS BEM SUCEDIDAS - Heidi Grand halvorson

 Livro adquirido em 5/1/2017 - Lojas Americanas - São Carlos - R$5,00

Alguns tópicos nos chamam atenção, quando percorremos títulos, preços, e nos deixamos levar pelo assunto e por tudo quanto o livro captura nosso sentir leitor.

Eis que as 9 atitudes desvenda-nos um leque de possibilidades. Ademais, o subtítulo "descubra o que você deve fazer de diferente para alcançar seus objetivos", conclama material para, quem sabe, poder levar em sala de aula. Assim, o livro logo está em nossa estante para ser degustado, comentado e colocado em prática.

Ademais, o tempo passa e eis que neste setembro de 2024, decorridos anos, situações adversas puderam me encontrar, o companheiro não mais adentrar meu universo e nossas saídas entre livros, agora, neste apartamento, recorro ao estudo, interrompido algumas vezes, quando passo a análise, no intuito da prática para minha continuidade de propósito.

Vamos lá então...   

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Capítulo 1 - SEJA ESPECÍFICO - crie metas - 

1º passo - seja exato ao que se quer

Estratégia do "contraste mental" - forma eficiente de estabelecer objetivos e de reforçar o comprometimento ao ponto de transformar desejos em realidade, o qual gera esforço mental, mais energia, planejamento.

PRÁTICA

1) Qual objetivo

2) Como saber se alcançou meta

3) Reescrever objetivos

4) Observar aspectos positivos e negativos


Capítulo 2 - ESCOLHA O MOMENTO CERTO PARA AGIR 

"Perdemos oportunidade de agir apenas por sermos incapazes de percebê-las".

Assim, qual atitude podemos ter: 

- decidir quando e onde agir

- estipular dia e horário para agir

Entender que as distrações e atribuições diárias podem comprometer nosso cronograma de trabalho, assim, utilizar o plano se-então:

- se isso acontecer, vou fazer aquilo

PRÁTICA

- Buscar administrar melhor o tempo

- Fazer plano se-então


Capítulo 3 - SAIBA EXATAMENTE QUANTO FALTA PARA CHEGAR AO TOPO

- Monitorar progresso - fazer feedback

- tempo para alcançar meta - estabelecer (curto / médio / longo prazo)

- Focar menos no que já conquistou, já realizou em detrimento ao que pode ainda realizar. Focar no objetivo presente 

- não se cobrar muito - pág.83

PRÁTICA

- auto avaliação - qual frequência

- encontrar alguém para auxiliar na avaliação

- criar lembretes para se auto avaliar

- manter-se motivado 

- concentrar no que falta e não no que conquistou


Capítulo 4 - SEJA UM OTIMISTA REALISTA


CONTINUA ...


quinta-feira, 2 de maio de 2024

O HOMEM A PROCURA DE SI - Rollo May

 "Quanto mais profundamente confrontarmos e sentirmos a riqueza acumulada da tradição histórica, tanto mais conheceremos e seremos nós mesmos... e, quanto mais a pessoa se aprofunda em sua própria experiência, mais originais são as reações e os resultados... Rollo May - "O homem a procura de si" (págs. 172/173) 

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O resgate dos meus apontamentos, podem me levar a encontros; decorridos anos, são eles que continuam a me escrever e escrevo.

Em junho de 2018, o livro em mãos dava-me subsídios para abstrair falas, quando após vários anos na confecção do "Álbum das Bandas de Araras", concluído sua edição em agosto de 2017, pude me ver envolvida com um passado que, embora não fosse diretamente ligado a mim, posto que a obra era de meu pai historiador, percebi que ao resgatá-la pude entender que 

"o homem é ao mesmo tempo herdeiro dos tempos passados e depositário da posteridade..." (idem pág. 214) 

ademais, 

"a memória não é apenas uma impressão do passado; é a guardiã de tudo o que é significativo em nossas mais profundas esperanças e temores... " (idem pág. 214) 

porque

"o homem não vive apenas no presente... e uma das características singulares do homem é poder colocar-se fora do presente e projetar-se no futuro ou então no passado..." (idem pág. 214) 

Aliás, a despeito da data, distante em seis anos, o retorno aos apontamentos me é por demais significativo, pois que muitos eventos foram agregados a partir do lançamento do Álbum - entrevistas, linhas do tempo, convites a participar de rodas de conversas, distribuição de exemplares à escolas, bibliotecas e pessoas ligadas a cultura e educação. Daí se pode perceber, retornando as linhas de Rollo May:

... "O passado tem significado quando o ilumina, e o futuro quando o torna mais rico e mais profundo..." (pág. 220)

Assim é que:

"... um acontecimento passado existe agora porque alguém está pensando nele no momento, ou está sendo por ele influenciado... (idem pág. 220) 

Além do que o livro - O homem à procura de si - sempre em mãos, as linhas grifadas, os apontamentos me são singulares, pois que posso perceber o quanto registrar o passado é importante para o resgate da memória e o Álbum das Bandas, por nós editados - Matilde e eu - pode me representar, muito embora, inicialmente escrito por meu pai, o historiador, agora ele me é parte integrante do seu legado. Uma herança que agora se torna patrimônio a ser preservado por mim, sua depositária.     

E o livro não se esgota. A leitura captura meu sentir pleno. Os apontamentos, os grifos requerem outras escritas pois que:

"Todo bom livro é uma obra de aperfeiçoamento pessoal, ajudando o leitor, que ali vê sua imagem e experiências projetadas, a estudar sob nova luz os seus problemas de integração - Rollo May - prefácio "O homem a procura de si". 


quinta-feira, 25 de abril de 2024

A MENINA DA VARANDA - Leo Cunha

Encontros nos são inesperados. Quantas vezes capturam-nos a mente, a alma e os sentidos e nos colocam tempo a refletir, a compartilhar, a compor outras linhas. Ademais, um título, por sua vez, pode percorrer os labirintos do ser e resgatar memórias incontidas, nos profundos calabouços da alma.

Quantas são as situações que nos colocam entre as meninas de branco, de rosa, as quais podem ser referenciadas por quem as vê, mas não legível para quem apenas observa quem fala - geralmente num leito de hospital,  em camas, quando quartos são transformados em palco para um porvir, apenas visível para quem está entre o limiar da transição; entre o real, que se pode perceber, e o invisível, um tanto quanto confuso e difuso para quem observa.

Daí, o texto vem ao encontro da nossa própria solidão, do abandono, dentro dos próprios lares, dos nossos mais queridos. A solidão da ausência, do abraço, da presença que se almeja, da compreensão que nem sempre é possível. Da fala que se cala no peito sem respaldo, sem diálogo. Da interrogação que procura resposta em vão.

Quantas Cecílias podem ser encontradas em apartamento luxuosos ou modestos, em casas, casebres, ou mesmo em quartos compartilhados com outras tantas personagens anônimas, que se abandonaram ou foram abandonadas pelas circunstâncias aquém do percurso.

Eis que "A menina da varanda" me ofusca os sentidos, captura-me pelo título, pela capa, pela mensagem, e, a partir de então, ainda que não tenha o livro em mãos, a internet me representa o encontro com áudios, releases, fotos e as quero presente neste espaço, quando minhas linhas podem percorrer o texto e alongar em nova fala, dentro do próprio contexto.    

Adentro algumas sinopses e as trago para minha composição: 



clique sobre a foto para ampliá-la
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Que surpresa uma janela pode revelar? Uma menina? Um anjo? Não importa. Com uma linguagem extremamente lírica, o autor expõe, em A menina da varanda, a solidão da velhice e uma forma pouco mostrada de abandono: a dos pais, após anos de dedicação aos filhos.

Quando os filhos não fazem mais companhia, os óculos não servem mais e a solidão passa a ser uma realidade, basta existir alguém para ouvir, mesmo que seja uma criança desconhecida, vista de relance, entre a correria da cidade. O jornalista Leo Cunha conta, em seu novo infantil A menina da varanda, uma história delicada, com vários ângulos e poucas certezas. Uma metáfora sensível sobre o tempo que passa, o tempo que falta e o tempo que nos resta. 

Leo Cunha apresenta o leitor a uma pianista aposentada que encontra um novo significado para a sua vida, ao estabelecer uma ligação virtual com uma menina desconhecida, moradora de um prédio em frente ao seu. Lá em cima, no décimo andar, a velha pianista só enxerga prédios e mais prédios da cidade imensa, e pra piorar, o inverno está chegando.

Mas tudo pode mudar quando a pianista descobre uma novidade no prédio em frente: a menina da varanda. A partir de agora, a pianista vê um alguém com quem conversar, contar suas histórias e desfiar suas lembranças. Uma pessoa para lhe fazer companhia enquanto seu próprio filho vive ocupado e mal acha tempo pra uma visita, um abraço.

Jornalista e professor universitário, Leo Cunha já publicou Suas obras receberam prêmios importantes, como o Nestlé, o João-de-Barro, o Jabuti, entre outros. Leo, que é também tradutor de vários livros infantis e juvenis, nasceu e mora em Minas Gerais, onde busca inspiração para a maioria de suas histórias e poemas. Casado, tem uma filha chamada Sofia, a quem dedica esta história. 


fonte: https://www.amazon.com.br/MENINA-VARANDA-Leo-Cunha/dp/8501055697

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E eis que me vejo, também, numa janela, quando parte da Rodovia Anhanguera demonstra movimento de carros, caminhões, enfim, de um trânsito ininterrupto no seu vai-e-vem constante. E penso o que uma janela pode me revelar eu que já estive num oitavo andar, a compor minhas solidões, minhas expectativas, meus sonhos, minha visão de passado - que a memória insiste em resgatar constantemente - num presente que se compõe e recompõe em reconstruções necessárias, neste segundo andar, deste condomínio que se apresenta promissor para criação de meus planos futuros, ao fitar o azul do céu, ou mesmo a lua cheia desta manhã, quando o registro se fez necessário, através da janela.

E, quantas vezes, a fala advém do cenário que se mantém todo aberto aos meus devaneios, às minhas pontes, pouco a pouco sendo reconstruídas, numa comunicação prazerosa, repleta de signos e significados para este outono que avança constante, ainda que seja apenas no imaginário de figuras fictícias que me vem servir de amigos, de ouvintes, muito embora a prima Matilde possa me fazer companhia constante - aliás, há anos somos parceiras em nossos trabalhos, em nossas conversas, razão pela qual a solidão, quantas vezes é dissipada, pois que podemos compactuar memórias familiares, passeios prazerosos, compromissos diários, o que nos torna menos solitárias, menos propensas aos amigos imaginários entre varandas; sim, agora temos uma varanda repleta de plantas, janela aberto ao horizonte.  


Logo ao raiar do dia, o magnífico espetáculo da lua a brilhar adentrando quarto, varanda, ao se deixar fotografar. 

Este é o momento em que da varanda do apartamento, uma nova perspectiva se abre toda a mim.  Os momentos me são propícios aos registros, os quais os quero aproveitar em sua plenitude.

Agradecer cada amanhecer. Agradecer cada olhar através da janela, por entre as grades sempre almejando a liberdade que somente o eterno nos pode proporcionar.

Este é um aparte que se faz necessário para que a menina, que há dentro de mim,  possa olhar através da varanda. 

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Por sua vez, o piano, ao lado, contrapõe as notas que soam em meio à solidão de ausências. Notícias que não chegam. Telefone que não toca. 

O computador, disposto na sequência, consegue atenuar ausências, saudades e sigo avante, compondo meus retalhos de existência que se prolonga em décadas, num espaço que procuro manter cada vez mais arejado, claro, vibrante de memórias, as quais, aos poucos posso dar novos coloridos, aos momentos sombrios que tentam afetar minha mente.

Assim é que, nesta manhã quente de outono, a menina da varanda pode me encontrar e tecer em mim memórias incontidas, de um quarto, que a cada dia tem se tornado mais familiar aos meus anseios. Além do que as manhãs, ao contemplar os prédios, os espaços abertos, recortados por plantas, a me fazer sentir numa vilazinha, ou mesmo numa praia, sem mar, o céu azul, as vozes que soam, trazem alento de que não se está só e é possível contemplar a beleza através da janela, ou mesmo alcançando a varanda.        

 

  



sábado, 2 de março de 2024

AUTOPSICOGRAFIA - análise

Poema Autopsicografia, de Fernando Pessoa (análise e significado)

 

Revisão por Rebeca Fuks - Doutora em Estudos da Cultura

 

O poema Autopsicografia é uma obra poética da autoria de Fernando Pessoa que revela a identidade de um poeta e aborda o processo de escrever poesia.

Os versos, escritos em 1 de abril de 1931, foram publicados pela primeira vez na revista Presença número 36, lançada em Coimbra, em novembro de 1932.

Autopsicografia é uma das poesias mais conhecidas de Fernando Pessoa, um dos maiores poetas da língua portuguesa.

Descubra abaixo uma análise dos tão consagrados versos pessoanos.

Poema Autopsicografia na íntegra

O poeta é um fingidor
Finge tão completamente
Que chega a fingir que é dor
A dor que deveras sente.

E os que leem o que escreve,
Na dor lida sentem bem,
Não as duas que ele teve,
Mas só a que eles não têm.

E assim nas calhas de roda
Gira, a entreter a razão,
Esse comboio de corda
Que se chama coração.

 

Interpretação do poema Autopsicografia

Uma psicografia consiste numa representação de fenômenos psíquicos ou na descrição psicológica de alguma pessoa. "Auto", por sua vez, é um termo usado para designar quando nos referimos a nós mesmos transmitindo a noção de si próprio.

Desta forma, é possível dizer que com a palavra "autopsicografia", o autor pretende abordar algumas das suas características psicológicas. O poeta mencionado nesta obra poética é, portanto, o próprio Fernando Pessoa.

Na primeira estrofe é possível verificar a existência de uma metáfora que classifica o poeta como um fingidor. Isso não significa que o poeta seja um mentiroso ou alguém dissimulado, mas que é capaz de se transformar nos próprios sentimentos que estão dentro dele. Por essa razão, consegue se expressar de maneira única.

O poeta é um fingidor

Finge tão completamento

Que chega a fingir que é dor

A dor que deveras


Se no senso comum o conceito do fingidor costuma ter um significado pejorativo, nos versos de Fernando Pessoa temos a noção de que o fingimento é um instrumento da criação literária.

Segundo o dicionário, fingir vem do latim fingere e significa "modelar na argila, esculpir, reproduzir os traços de, representar, imaginar, fingir, inventar".

A capacidade de fingir de Fernando Pessoa explica a criação dos vários heterônimos pelos quais ficou conhecido. Os mais famosos heterônimos pessoanos foram Álvaro de Campos, Alberto Caeiro e Ricardo Reis.

Fernando Pessoa consegue abordar várias emoções e se transformar em cada uma delas, criando assim diferentes personagens com formas distintas de ser e de sentir.

E os que leem o que escreve,

Na dor lida sentem bem, 

Não as duas que ele teve,

Mas só a que eles não têm.


Vemos na segunda estrofe que a capacidade do poeta de expressar certas emoções desperta sentimentos no leitor. Apesar disso, o que o leitor sente não é a dor (ou a emoção) que o poeta sentiu nem a que "fingiu", mas a dor derivada da interpretação da leitura do poema.

As duas dores que são mencionadas são a dor original que o poeta sente e a "dor fingida", que é a dor original que foi transformada pelo poeta.

Na terceira e última estrofe, o coração é descrito como um comboio (trem) de corda, que gira e que tem a função de distrair ou divertir a razão. Vemos neste caso a dicotomia emoção/razão que faz parte do cotidiano do poeta. Podemos então concluir que o poeta usa o seu intelecto (razão) para transformar o sentimento (emoção) que ele viveu.

E assim nas calhas de roda

Gira, a entreter a razão,

Esse comboio de corda

Que se chama coração.


Autopsicografia é erguido a partir de um jogo de repetições que cativa o leitor e o leva a querer saber mais sobre a construção do poema e sobre a personalidade do poeta.

Podemos afirmar que se trata de um metapoema, ou seja, um poema que se dobra sobre si mesmo e tematiza as suas próprias engrenagens. O que transparece para o leitor são os mecanismos de composição da obra, dando ao leitor um acesso privilegiado aos bastidores da criação. O prazer é obtido justamente do fato do poema explicar-se generosamente ao público.

Estrutura do poema Autopsicografia

O poema é composto por três estrofes, com 4 versos (quartetos) que apresentam rima cruzada, sendo que o primeiro verso rima com o terceiro e o segundo rima com o quarto.

Relativamente à escansão do poema Autopsicografia (a sua métrica), o poema se qualifica como um redondilha maior, o que significa que os versos são heptassílabos, ou seja, têm 7 sílabas.


Sobre a publicação de Autopsicografia

Os consagrados versos de Fernando Pessoa foram publicados pela primeira vez na revista Presença número 36.

A edição foi lançada em Coimbra, em novembro de 1932. O poema original foi escrito no dia 1 de abril de 1931. 


fonte:

https://www.culturagenial.com/poema-autopsicografia-de-fernando-pessoa/

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